I see you

coded by ctellier | tags: | Posted On sábado, 6 de março de 2010 at 11:07

meteorologia: chovendo desde cedo
pecado da gula: pão francês na chapa
teor alcoolico: nada ainda
audio: nerdcast 200
video: poker after dark

Avatar, direção James Cameron 

Finalmente, fui assistir. Não há como negar que assisti-lo em 3D, com som em alta definição, é de fato uma experiência única. Mas não passa disso, uma experiência sensorial. E saí do cinema fazendo parte do time dos que ficaram maravilhados com os efeitos especiais, principalmente o motion-capture, mas decepcionados com o enredo fraco. Como já li e ouvi em vários lugares, realmente parece Pocahontas no cenário de Alien 2. Eu acrescentaria que tem também um pouco de Dança com lobos e Matrix. Postei dias atrás um ótimo comentário a respeito: http://migre.me/l6UG. Foi exatamente essa a impressão que tive enquanto o filme se desenrolava. É o supra-sumo do cinema-pipoca. A versão moderna do pão e circo.
Não discordo dos que afirmam que é importante a discussão gerada sobre ecologia, natureza e nosso comportamento dominante e belicoso. Mas nem por isso deixa de ser um roteiro deficiente, frente à grandiosidade da produção toda. Como foi comentando no Nerdcast 193, a grande maioria dos expectadores ficou à mercê do "monstro" da expectativa. Espera-se que num projeto dessa dimensão tudo seja superlativo, inclusive a estória, o que simplesmente não se confirmou. A narrativa é muito elementar, sem profundidade, quase bi-dimensional, contrariando a intenção de deixar o expectador totalmente imerso na "realidade" do filme.

Mas Cameron é extremamente competente ao suprir a chatice da narrativa, a pobreza dos diálogos e a caracterização canastrona dos vilões com cenários grandiosos e perfeitamente construídos digitalmente e algumas sequências deslumbrantes. Não há dúvida de que conseguiu mudar o modo como vamos encarar a utilização de CG nos filmes daqui em diante. Como em nenhum outro filme, é possível visualizar a realidade criada digitalmente com uma riqueza de detalhes impressionante. A fluidez dos movimentos, as texturas, a interação com o ambiente e com a luminosidade, é tudo extremamente verossímil. E o motion-capture foi elevado à perfeição, pois pode-se ver cada expressão física dos atores.
O elenco está muito bem. Sam Worthington (Jake Sully) consegue dar profundidade a seu personagem, seja como humano ou como avatar. Mas fica totalmente apagado perto da atuação de Zoe Saldana (Neytiri), simplesmente fantástica. Sua expressividade é tão forte que rouba todas as cenas que faz. Sigourney Weaver (Grace) continua em forma e bastante carismática. E completando o time de mulheres fortes do filme, Michelle Rodriguez (Trudy) sempre perfeita no seu eterno papel de mulher valentona. Os demais tem boas atuações, apesar dos papéis bastante clichês.

Vale a pena assistir, principalmente devido à experiência proporcionada pela tecnologia empregada. Não deixa de ser um marco na história do cinema. Mas não vai para a minha lista de filmes prediletos.


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Clarice, sempre, Lispector

coded by ctellier | tags: | Posted On terça-feira, 2 de março de 2010 at 21:13


"Atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia."

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coded by ctellier | tags: | Posted On segunda-feira, 1 de março de 2010 at 06:26

"(...)
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?"

Álvaro de Campos, in Passagem das horas

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