"I drive"

coded by ctellier | tags: | Posted On sábado, 7 de abril de 2012 at 14:57

meteorologia: sol e calor (ainda)
pecado da gula: pão com nutella
teor alcoolico: 2 stella artois
audio: 99 vidas #31
video: numb3rs

Drive
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Hossein Amini (baseado no livro homônimo de James Sallis)

Além de surpreendida com as muitas qualidades do filme, terminei de assisti-lo com um único pensamento, ou melhor, uma pergunta persistente: “Por que diabos este filme foi esquecido no Oscar?!”

Resolvi assistir depois de ouvir um podcast comentando sobre ele. Procurei não ler mais nada sobre ele antes de vê-lo. Mas depois, fui buscar mais informações e fiquei sabendo que em Cannes - onde foi premiado - após a exibição, o filme foi ovacionado durante 15 minutos. E minha pergunta persistia: “Por que diabos este filme foi esquecido no Oscar?!” E mais: “Por que Ryan Gosling foi preterido na categoria de melhor ator?”

A estória não tem nada de mais. O personagem de Ryan Gosling - o homem sem nome, que é um hábil motorista - trabalha meio período numa oficina, meio período como motorista dublê em filmes e, nas horas vagas, faz um extra sendo motorista de carro de fuga para criminosos. Essa última ocupação faz lembrar de Jason Statham, como Frank Martin em The Transporter, já que, assim como Frank, o motorista também tem suas regras. Mas a similaridade termina aí. O motorista está mais para o homem sem nome que Clint Eastwood imortalizou em seus filmes - caladão, solitário, de passado desconhecido, um herói quase involuntário. Enreda-se involuntariamente numa série de incidentes, devido a seu envolvimento com uma vizinha cujo marido está cumprindo pena.

Mas definitivamente não é a estória o ponto forte do filme. O filme é todo do personagem. Assim como Pablo Villaça (@pablovillaca) comentou em sua crítica: “Drive é um estudo de personagem disfarçado de romance vestindo uma fantasia de filme de ação.” E o personagem é sustentado pela ótima atuação de Ryan Gosling. Ele dá vida ao motorista de forma memorável.

Não se sabe nada sobre seu passado, apenas um ou outro detalhe revelado durante o filme. Mas a cena inicial já dá todas as dicas sobre seu caráter. Metódico, quieto, econômico, contido, de pouco riso, percebe-se que fala apenas o mínimo necessário, não há desperdício, nem de palavras nem de ações. E o ar de tédio e tristeza constantes contrastam com o sorriso espontâneo e juvenil de Irene (Carey Mulligan). Aliás, a direção é primorosa justamente por focar nos detalhes. A sutileza como algumas informações são dadas ao público é digna de reverência. (Spoilers à frente) A cena em que o motorista chega ao estacionamento, vê dois homens e fica encarando-os enquanto estaciona o carro numa vaga - entre um carro e uma pilastra - sem tirar os olhos deles sequer um instante, dá a exata dimensão da habilidade dele ao dirigir, da sua intimidade com o veículo. E esta cena é apenas um exemplo. O filme está repleto de cenas assim.


O filme foi erroneamente vendido como mais um no estilo de “Velozes e furiosos”. Justamente por isso, eu não estava muito interessada em assisti-lo. Mas não é nada disso. Está a milhas de distância de qualquer coisa semelhante a “Velozes e furiosos”. É um tapa na cara de qualquer um que afirme que filmes de ação e/ou perseguição não precisam de um roteiro bem escrito. É preciso destacar que tem a melhor sequência de perseguição a que assisti nos últimos anos, entre um Mustang GT e um Chrysler. Porém, como em todo o restante do filme, refletindo as atitudes do protagonista, nada é desperdiçado, nenhum movimento é feito sem motivo. Há até aquele instante em que nos perguntamos: “Mas por que ele está fazendo isso?” Para termos a resposta na cena seguinte, que enfatiza e confirma as habilidades do motorista, e justifica todas as suas ações até aquele momento.

Há cenas violentas, sim. Mas não são gratuitas. E sempre filmadas de maneira direta, sem rodeios. A violência acontece e é mostrada cruamente, sem subterfúgios ou elipses (pensei agora na minha reclamação em relação a isso no post sobre Hunger games). E é em algumas dessas sequências que percebemos a essência do personagem. E o porquê de ele ser sempre tão contido. A cena do elevador é o resumo perfeito disso (links abaixo). Não chega a ser um easter-egg, já que fica bem visível, mas o espectador que reparar tem a seu dispor mais uma informação sobre o motorista. A jaqueta que o personagem usa durante quase todo o filme tem nas costas o desenho de um escorpião. (Spoilers à frente) Além de várias pequenas referências inseridas na trama, há uma citação literal à fábula do escorpião e o sapo, num dos telefonemas do motorista a um de seus opositores, o que revela mais um pouco da sua personalidade.

Mas o filme não é apenas ação e violência. Há algumas sacadas bem engraçadas, como a do carro sem rodas ou a brincadeira com o nome do marido de Irene. Destaque também para a trilha sonora, bem anos 80. Aliás, destaque para o uso da trilha. Percebe-se claramente a diferença entre os momentos de tensão e os de (quase) relaxamento do protagonista pela presença ou ausência de música durante as cenas. Além da ótima escolha das canções, a sua utilização reflete um cuidado visto em poucas obras. E todos esses elementos juntos fazem dele um filme que vale muito ser visto e revisto. Recomendo. Mesmo.



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Rainha do crime

coded by ctellier | tags: , | Posted On sexta-feira, 6 de abril de 2012 at 21:51

meteorologia: sol e calor
pecado da gula: esfiha
teor alcoolico: 2 itaipavas
audio: podcast cinema em cena #30
video: drive

Não digo que tenha sido essencial, mas boa parte da responsabilidade pelo fato de o meu gosto pela leitura não ter se esmaecido durante a adolescência pertence aos livros de Agatha Christie. Facilmente perceptível na minha estante, é o(a) escritor(a) com mais livros nela, seguida de perto por Monteiro Lobato - a coleção do Sítio do Picapau Amarelo não poderia faltar.

Sempre gostei muito desse estilo literário. Livros de mistério são o tipo de literatura "de entretenimento" que eu acredito ser o mais atraente para a maioria dos leitores. E várias estórias de Agatha Christie são quase de domínio público - vide "O assassinato do Expresso Oriente" - assim como seus detetives mais conhecidos - Hercule Poirot e Miss Marple. Admito, não gosto mto dos livros com Miss Marple. Prefiro Hercule Poirot, apesar de toda sua arrogância. Mas meus prediletos mesmo são aqueles livros em que nenhum deles aparece, em que não há um detetive famoso a cargo da resolução do mistério.

Bom, chega de bla-bla-bla e vamos à lista dos meus preferidos:

  • O caso dos dez negrinhos
  • A casa torta
  • O assassinato de Roger Ackroyd
  • Noite sem fim
  • A aventura do pudim de Natal
  • Um gato entre os pombos
  • Um brinde de cianureto
  • A terceira moça
  • Um pressentimento funesto
  • O detetive Parker Pyne



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"Calix meus inebrians"

coded by ctellier | tags: , | Posted On quinta-feira, 5 de abril de 2012 at 00:46

meteorologia: nem calor nem frio
pecado da gula: feijoada
teor alcoolico: 2 smirnoff ice
audio: contra-relógio no ar
video: mundo de beakman

O andarilho (Vagabond)
Bernard Cornwell

Cheguei ao final do mês sem ter terminado de ler o livro proposto do Desafio Literário. E eu no domingão, primeiro de abril, sem nem lembrar de inventar alguma peça para pregar em alguém, fiquei quase o dia todo fazendo uma das atividades que mais me agrada: lendo. Terminei o livro uns 10 minutos antes de a segunda temporado de Game of Thrones se iniciar na HBO - mas a série é assunto para outro post.

Manipulei o desafio a fim de encaixar este livro. A proposta do mês de março era “Lendas universais”. Forcei um pouquinho ao considerar a lenda do Graal como universal, mas está valendo. O intuito de ler um livro por mês foi atingido. E minha vontade de continuar lendo a trilogia “A Busca do Graal” foi saciada. “O andarilho” é o segundo volume dessa trilogia. Li o primeiro - “O arqueiro” - já há algum tempo. Assim que o li, procurei o segundo volume nas livrarias e não o encontrava. Depois de algum tempo, adquiri-o, mas estava lendo outro e assim, o livro foi ficando para o final da fila - problema resolvido com sua inclusão no desafio.

Para aqueles que - assim como eu - se encantaram e se deliciaram com o primeiro volume principalmente devido à narração bastante crua e detalhada de guerras, lutas e contendas, certamente acharão o segundo volume bem menos empolgante. A ação ocorre de maneira bem mais lenta, até contida. Nos dois primeiros terços do livro, quase não há lutas - e as que ocorrem não são muito grandiosas, o que talvez desanime alguns leitores - eu inclusive. Mas persisti. E fui recompensada. O último terço mostrou-se tão interessante quanto a narrativa do primeiro volume.

Sinopse (fonte: www.siciliano.com.br):
A série Em busca do Graal traz como cenário a Guerra dos Cem Anos, um conflito dinástico iniciado em 1337, com Eduardo III reivindicando a coroa da França, e que terminou com a tomada de Bordeaux pelos franceses, em 19 de outubro de 1453. As tramas, os homens e as histórias por trás da luta pela coroa francesa confirmam Cornwell como um dos principais escritores históricos da atualidade.
Neste novo romance, a aventura começa em 1346. Os ingleses invadiram a França e os escoceses a Inglaterra. São tempos incertos e obscuros, e o primeiro que encontrasse o Santo Graal - uma espécie de tesouro guardado por anjos e procurado por demônios - seria considerado vitorioso.
Thomas de Hookham, jovem arqueiro inglês, que aos 18 anos viu o pai morrer em seus braços após um ataque de surpresa, deixa a França, seguindo para as Ilhas Britânicas em busca do cálice e do assassino de seu progenitor. Filho bastardo do homem que dizem ter chegado mais perto que qualquer outro do cálice, Thomas tem uma grande e secreta vantagem sobre todos. Um diário escrito em latim, hebraico e grego - uma espécie de código - deixado por seu pai, que parece conter informações sobre o esconderijo do tesouro.

Especialista em história militar, Cornwell é conhecido por conseguir mesclar muito bem fatos históricos e ficção. E a trilogia do Graal não é diferente. Alterando o período em que costumeiramente a busca pelo Graal é situada - período arturiano - e tirando proveito da lenda de que hereges cátaros tiveram a relíquia em seu poder, consegue construir uma narrativa atraente e bastante sedutora, apesar da crueza e do tom extremamente realista de algumas descrições - talvez justamente por esses motivos, seja tão atraente para boa parte dos leitores.

Neste livro, mesmo os dois terços iniciais não tendo tanta ação, valem a leitura pela aula de história. Os detalhes sobre a Igreja e a Inquisição são bem explorados e garantem alguns bons momentos da estória. O trecho abaixo é um bom exemplo, ótima introdução para o que vai se seguir na estória:

A inquisição, tal como a ordem de frades dominicanos, era dedicada à erradicação da heresia, e para isso empregava fogo e sofrimento. Eles não podiam derramar sangue, porque isso era contra a lei de Deus, mas qualquer sofrimento provocado sem derramamento de sangue era permitido, e a inquisição sabia bem que o fogo cauterizava o sangramento e que a tortura não perfurava a pele de um herege e que grandes pesos colocados sobre o peito de um homem não rompiam veia alguma.

A tríade “sangue, suor e fezes”, forma carinhosa a que os fãs de Cornwell se referem à sua maneira de escrever, está ali como sempre. A crueza e a violência não deixam de se fazer presentes mesmo quando a narrativa se arrasta um pouco, entre uma luta e outra. Mas o último terço do livro compensa tudo. A espera é recompensada com a narração de mais uma batalha que simplesmente impede o leitor de abandonar a leitura antes de terminar. Até chegar a esse trecho eu tinha dúvidas se seria capaz de terminar a leitura antes de findar o domingo. Mas depois, a única preocupação era terminar antes das 22:00 - horário de exibição de Game of Thrones - simplesmente para não ter de interromper a leitura.

Terminei de ler o livro bastante satisfeita. Satisfeita comigo, por ter cumprido o desafio, mesmo que com um dia de atraso. Satisfeita com o livro, que me deixou com vontade de ler logo o terceiro volume da trilogia.


(*) tradução do título: "Meu cálice me embriaga" (brasão da família Vexille)

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