A dama do crime

coded by ctellier | tags: , | Posted On quarta-feira, 22 de agosto de 2012 at 18:08

meteorologia: sol e ar seco
pecado da gula: pão na chapa com manteiga
teor alcoolico: nada ainda
audio: podcast cinema em cena #49 v.2.0
video: bones

Como faço sem falta desde os meus 12 anos de idade, fui à Bienal do Livro semana passada. Aliás, acabei indo duas vezes e, em ambas, o que ficou marcado foi a quantidade de filas. Fila na bilheteria, fila para entrar, fila para comer (tanto para pagar como retirar o pedido), fila no banheiro, fila nos caixas dos estandes, fila para autógrafos, fila até para encher a garrafinha d’água no bebedouro. Certamente, em virtude do horário que fui nas duas vezes, tive a impressão de que a feira estava mais cheia que nos anos anteriores. Porém, apesar de tudo, mesmo detestando locais muito cheios, como sempre eu saí de lá satisfeita.

Fui à feira este ano decidida a apenas adquirir livros que preenchessem uma das seguintes condições:
- que estivessem em promoção e/ou com desconto
- que eu pudesse pegar autógrafo do(s) autor(es)
E consegui. Inclusive, em alguns casos, o livro cumpria todos os pré-requisitos. Diferente dos anos anteriores, havia muitas promoções em quase todos os estandes. O que me fez voltar para casa, no primeiro dia, com quatro sacolas cheias de livros e HQs.

Quando passamos pelo estande da Leya, Raphael Draccon estava autografando seu livro mais recente, "Fios de prata". Alcancei o livro numa das prateleira e me encaminhei à fila do caixa. Enquanto aguardava minha vez, vi que, assim como em outros estandes, havia desconto progressivo na compra de mais de um livro. E, bem ao meu lado, havia uma pilha de "livrinhos" de Agatha Christie. Apenas dois títulos, mas bastava para obter os 30% de desconto no valor total da compra. Peguei, paguei e fui para a fila dos autógrafos. Ah, a fila. Não estava muito longa. Não devia ter mais do que 20 pessoas à minha frente. Mas não andava. Cinco minutos. Dez minutos. E nada. Olhei para o início e reparei que, além de todos pararem para conversar e tirar fotos com o Draccon - que os atendia com uma paciência de Jó - muitos levavam TODOS os livros dele para autografar, ou seja, cinco livros. E, em muitos casos, havia uma pessoa na fila, guardando a vez para mais 2 ou 3 pessoas, também portando uma pilha de livros para autografar.

Em vista disso e antevendo a demora, saquei um dos livrinhos da Agatha de dentro da sacola e me pus a ler. No intervalo de quase 45 minutos de fila (ou mais), li um deles e cheguei à metade do outro. Não, não faço leitura dinâmica. Os livros são bem fininhos mesmo - menos de 100 páginas cada um. Na verdade, não são livros publicados "por ela". O autor é John Curran. E cada um deles contém um conto da autora e vários outros textos de seus cadernos de anotações, relacionados ao conto em questão. Para um fã, isso é uma preciosidade. E eu sempre gostei muito de seus livros. Na minha estante, é o autor/autora com maior quantidade de exemplares. Apesar da canseira de estar ali parada na fila, eu estava me divertindo demais com a leitura. Além do fato de as estórias dela serem sempre muito “gostosas” de ler - a leitura flui ininterruptamente - as informações complementares matam a curiosidade sobre o modus operandi da autora na criação do enredo. E mais, para alguém que tem como hábito não só a leitura, mas também a escrita, conhecer o método de um escritor muito apreciado- ou a falta dele, no caso de Agatha Christie - é algo enriquecedor.

Terminei de ler o segundo livrinho a caminho de casa. E, ao chegar, logicamente, acessei um site de livraria pra encontrar outros títulos. Encontrei "O" livro completo, "Os Diários Secretos de Agatha Christie", que foi imediatamente acrescentado à minha wish list. Fazia tempo que não lia algo dela e matar a saudade foi muito, muito bom. Num surto de saudosismo, lembrei-me de quantas vezes na minha adolescência eu varei a noite para terminar um livro dela. E aprender como ela estruturava os mistérios, as pistas, os personagens foi quase um prêmio inesperado. E fez com que essa fila - a mais demorada de todoas - não fosse uma total perda de tempo.

Para quem curte Agatha Christie, recomendo. E para quem não conhece, nem nunca leu nada dela, recomendo também. Vale a pena.



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"Ah, eles são russos..."

coded by ctellier | tags: , | Posted On terça-feira, 21 de agosto de 2012 at 07:05

meteorologia: ar seco, muito seco
pecado da gula: pizza
teor alcoolico: 1 stella artois
audio: bananacast #18
video: bones

Dança não costuma ser um assunto abordado no blog com muita frequência. Aliás, não me recordo de ter escrito algum post sobre o assunto. Mas com tantos comentários a fazer sobre um espetáculo visto semana passada (15/08/2012), achei que mereceria desenvolver o tema com mais vagar.

Segundo a Wikipedia, Riverdance (que em português seria uma aglutinação de "dança do rio") é um espectáculo de sapateado irlandês, reconhecido pelo rápido movimento de pernas dos dançarinos e aparente imobilidade da cintura para cima. Fui apresentada à música celta, à dança irlandesa e, mais especificamente, a esse espetáculo por um colega de trabalho há cerca de 12 anos. Gostei tanto que adquiri o dvd do show e o assistia esporadicamente. E sempre pensava que se algum dia a troupe aportasse aqui, eu faria questão de ir assistir. Há alguns anos, veio ao Brasil um spin-off do espetáculo, chamado Firedance - montado por Michael Flatley, um “dissidente” do show “original”. Além de não ser “O” show, na época não tive condições financeiras de ir.

Semana passada, quase por acaso, fiquei sabendo que o Riverdance estava em São Paulo e faria shows de 4a. a domingo. Depois de quase 1 hora, tentando “casar” minha disponibilidade com a disponibilidade de lugares não muito distantes do palco do Via Funchal, comprei o ingresso. Que fique claro que, apesar de gostar muito, não sou fanática a ponto de gastar entre 160 e 220 reais para assistir, e acabei optando por um ingresso mais em conta, mas de localização (quase) privilegiada. E a escolha se revelou acertada. Tive de abrir mão do pokerzinho semanal, mas Riverdance valia a pena.

Bem, o show, que estava marcado para começar às 21:30, começou apenas às 22:00. Não sei se o atraso foi “coisa de brasileiro” ou se o horário real era 22:00 e o ingresso marcava meia hora antes justamente por essa mania desagradável de muita gente chegar atrasada. Enfim, o show começou e os 45 minutos da primeira parte se passaram como se fossem apenas cinco. E, depois do intervalo, o mesmo se sucedeu nos 50 minutos seguintes.

Enfim, eu gostei. Gostei muito mesmo. Contudo, gostei menos do que achava que gostaria. E acredito que a principal razão foi que, em linhas gerais, o show foi cerca de 70% do espetáculo que eu apreciava há tanto tempo. Cheguei a pensar que a memória do show assistido em dvd era melhor que o show em si. E, para sanar a dúvida, assisti-o novamente no último domingo. E eu não estava enganada, minha memória não tinha me pregado uma peça. E, realmente, o que foi apresentado aqui não era 100% do show. Refiro-me principalmente ao tamanho da produção.

Explico-me. O show do dvd foi produzido para ser apresentado numa grande casa de espetáculos. No caso, o Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Algo nos moldes do nosso Teatro Municipal de São Paulo. E o Via Funchal, apesar de grande, deve ter aproximadamente 60% do tamanho do Radio City e, proporcionalmente, seu palco é menor. Sendo assim, o elenco do show era menor do que o do show do dvd. Parece bobagem, mas em alguns momentos isso é bem perceptível. Para quem não conhecia o show, possivelmente não. Mas para quem, como eu, assistiu mais de uma dezena de vezes, ver 16 dançarinos ao invés de 30, perfilados e totalmente sincronizados executando o mesmo passo, fez diferença sim. Não deixa de ser impressionante, eles são realmente muito bons. Mas ficou aquela sensaçãozinha de que faltava algo mais.

Outra coisa de que senti falta foi a presença de mais músicos, o que levou à desagradável descoberta de que estavam usando playback. No show do dvd, havia um grupo de 12 ou 13 músicos enquanto que neste havia apenas 4. Mas posso afirmar que o violinista que veio era tão bom quanto à do show do dvd. Isso dito por alguém (eu) que não curte muito som de violino é, sem dúvida, um “senhor” elogio.

Bem, a parte esses detalhes, valeu muito a pena ter ido. E eu com certeza iria novamente. Garanto que me diverti demais, tanto por matar a vontade de vê-los “ao vivo e a cores” quanto pelo deleite de acompanhar as músicas que eu conheço quase de cor. Contudo, nem todos gostaram tanto quanto eu. Durante o intervalo, várias pessoas foram embora e muitas mesas vagaram - inclusive a que estava logo atrás de mim, um pouco mais alta, para onde me “mudei” assim que a segunda parte se iniciou. Pelo que pude perceber, o espetáculo não era exatamente o que as pessoas estavam esperando. Provavelmente, a falta de informação sobre o show foi a principal causa. O que me remete ao título do post. Terminado o show, a caminho da saída, duas moças que vinham da fila do gargarejo, começaram a trocar impressões. Uma delas comentava que os dançarinos movimentam pouco a parte de cima do corpo - o que é característico do sapateado irlandês. Ao que a outra respondeu: “Ah, eles são russos, né? Russos só mexem as pernas para dançar...”. E eu fiquei me perguntando: “Como alguém que comprou o ingresso mais caro (e que supostamente sabia o que iria assistir) faz um comentário desses?” Detalhe, o número de dança eslava/russa foi cortado na versão apresentada aqui. Ou seja, nem isso havia como desculpa para a ignorância da mocinha. Infelizmente, tem horas que tenho a impressão de que cultura é um artigo de luxo. Lamentável...


Well, enjoy the show! :-)



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A força do roteiro

coded by ctellier | tags: , | Posted On domingo, 19 de agosto de 2012 at 18:15

meteorologia: sol e calor
pecado da gula: misto quente
teor alcoolico: 1 stella artois
audio: void podcast #023
video: bones

Não é habitual aqui no blog eu me dedicar a escrever um post sobre alguém, uma personalidade, seja da literatura, do cinema, de corrida ou de qualquer outra “área”. Principalmente por que me sinto mais à vontade ao discorrer sobre uma obra do que sobre uma pessoa. Sem ser totalmente uma exceção à regra, este post é sobre Alexander Payne ou, mais especificamente, sobre seus filmes - e ainda mais especificamente sobre seus roteiros.

Num impulso motivado por tê-los visto numa vitrine, dias atrás resolvi assistir a alguns filmes indicados ao Oscar que eu ainda não tinha tido a oportunidade de ver. Tio Torrent me ajudou e baixei vários, mas assisti a apenas dois até agora. Um deles - “Extremely loud and incredibly close” - já tem um Drops no blog. O outro - “The descendants” -, apesar de eu ter gostado bem mais, por alguma razão que não consigo me recordar agora, não “mereceu” um texto. O que é de se estranhar, já que tenho alguns comentários a tecer sobre ele que eu considero relevantes.

Antes de continuar falando sobre o filme que me estimulou a escrever este post, uma breve sinopse.
Matt King (George Clooney), um marido indiferente, pai de duas garotas, é forçado a reexaminar seu passado e abraçar seu futuro quando sua esposa sofre um grave acidente em Waikiki. O ocorrido exige uma reaproximação com suas filhas adolescentes, enquanto Matt se debate com a decisão de vender as terras que estão na família desde os tempos da realeza havaiana e dos missionários.
(fonte: site Os Descendentes - www.osdescendentes.com.br)

O elenco está muito bem, bastante coeso. Não há uma interpretação excepcional e/ou inesquecível, mas a empatia entre eles faz com que todas as performances sejam bem verossímeis e convincentes. Não sei se é crédito apenas do diretor ou se o ator também se esforçou para tal, mas até mesmo Clooney, em boa parte do filme, deixa de lado aquela sua cara de cachorro pidão que sempre foi sua marca característica. Foi bom rever Beau Bridges (como Hugh, primo de Matt) - há algum tempo afastado das telas - mesmo que numa pequena participação. E as intervenções de Robert Forster (como Scott Thorson, sogro de Matt) vão de dramáticas a cômicas de modo bastante fluido. Até mesmo o núcleo adolescente - as filhas de Matt, mais um “amigo”, Sid (Nick Krause) - consegue não ser infantilóide ou clichê.

Quanto à fotografia, Phedon Papamichael fez um bom trabalho. Nas cenas externas, certamente foi favorecido pelas paisagens do Hawaii. Mas conseguiu que as belezas naturais não sobrepujassem e, consequentemente, não desviassem a atenção do público do que realmente interessava. Mesmo quando a locação era o foco da narrativa - como quando Matt visita as terras que pertencem à sua família - a colaboração de Payne e Papamichael consegue criar um contraponto interessante entre a beleza da paisagem e o drama vivido pelos personagens. Interessante notar que apesar de todos pensarem no Hawaii como um local ensolarado e cheio de vida, praticamente todas as externas foram feitas em dias nublados. E consegue a proeza de ser intimista em vários momentos, apesar da imensidão da paisagem.

Não é uma super produção. Não é um blockbuster. Não é um filmaço, daqueles que, após assistir, insistimos em indicar a todos nossos conhecidos. Mas é um filme memorável, daqueles que recordaremos quase com carinho anos após tê-lo assistido pela primeira vez. E o motivo disso, no meu entender, é essencialmente a qualidade do roteiro. Não estou desmerecendo o elenco, a direção, a fotografia, enfim, todo o “entorno” do filme. Contudo, neste caso, o roteiro é o maior trunfo. Não foi à toa que levou a maioria dos prêmios a que foi indicado. Lógico que nada é perfeito e há, no filme, algumas situações bem improváveis, mas que não tiram o mérito do todo. * SPOILER ALERT * Como quando Matt cisma de encontrar o amante da esposa para avisá-lo da condição dela e “permitir” que ele se despeça antes que os aparelhos sejam desligados.

Assim que terminei de assistir, fui me informar sobre o roteirista, que também é o diretor. E descobri que era o mesmo de “Sideways” e “About Schmidt”, filmes que me deixaram com a mesma impressão ao final - de que eu os assistiria novamente de bom grado, mesmo já conhecendo a estória (“About Schmidt” um pouco menos que os outros). Hitchcock disse certa vez que “cinema é a vida sem as partes chatas”. E Payne consegue subverter essa afirmação. Suas estórias são simples, não há reviravoltas mirabolantes nem situações extremas. Seus personagens são “gente como a gente”, “the girl next door” como dizem os americanos, vivenciando situações comuns, que poderiam ocorrer a qualquer um de nós. E é a maneira como essas trivialidades do dia a dia são contadas que tornam a narrativa tão cativante. Pode-se até encarar esse característica de “ser comum” - não ordinário - dos personagens como um lembrete de sua insignificância ou, apelando para um clichê, de ser apenas mais um na multidão. Mas eu não vejo dessa forma.

Todos os filmes que citei até agora foram adaptados de livros homônimos:
  • “About Schmidt”, de Louis Begley
  • “Sideways”, de Rex Pickett
  • “The descendants”, de Kaui Hart Hemmings
Isso de modo algum tira o mérito do(s) roteiristas(s), uma vez que a transposição de uma mídia para a outra requer bastante habilidade. Não basta apenas transcrever os diálogos e “tirar do papel” os cenários. O roteirista, nesses casos, costuma ser bem sucedido caso consiga manter a essência da obra literária e dos personagens e, ao mesmo tempo, transpôr a estória para uma nova estrutura sem “perder” muito, ainda que seja preciso tomar algumas liberdades criativas. Não li nenhum deles. Não sei se são muitos bons, bons ou apenas medianos. Não posso afirmar se, nos livros, os personagens são mais ou menos complexos do que o que se vê na tela. Ou se a narrativa é mais ou menos envolvente. Independente disso, o resultado na tela foi bastante satisfatório.

Qualquer pessoa que tenha interesse por estrutura literária ou cinematográfica conhece ou, ao menos, já ouviu falar sobre a jornada do herói ou monomito. Tanto faz se de Campbell ou Vogler, já que a estrutura macro é bastante similar. O que é relevante aqui é que uma boa estória (seja livro ou roteiro), na maioria das vezes, segue essa estrutura. E um bom filme, ou melhor, um bom roteiro pode ser assim considerado quando a jornada está lá, mas não fica “escancarada” para o espectador. Comentei neste post sobre o incômodo causado ao assistir um filme em que isso era explícito demais. Contudo, os filme de Payne são bem sucedidos nesse sentido. Percebemos a jornada, os arquétipos, mas é tudo tão sutil que faz o espectador embarcar na estória (quase) sem ressalvas.

E o gosto, ou a preocupação, de Payne em analisar o comum, o ordinário reflete-se na escolha dos livros a serem adaptados. Em todos eles, há um protagonista - um homem comum, cercado de pessoas comuns - que é forçado a sair de sua zona de conforto por algum evento inesperado ou simplesmente fora da rotina. E, coincidentemente, o que se segue é uma viagem ou , mais poeticamente, uma jornada. Schmidt (Jack Nicholson) enviúva, põe o pé na estrada com seu trailer no intuito de impedir que sua filha se case. Miles (Paul Giamatti em “Sideways”) pega a estrada pelos vinhedos californianos com seu melhor amigo Jack (Thomas Haden Church), que se casará em alguns dias. Matt (Clooney) que, acompanhado das filhas e de um amigo delas, viaja para visitar as terras da família ao mesmo tempo que parte numa “missão” (citada no spoiler acima).

Acredito que o enfoque no “ser comum” seja responsável por gerar tamanha identificação do espectador com o filme. Afinal não somos todos pessoas comuns, vivendo situações comuns, sendo eventualmente confrontados com algo inesperado que requer de nós uma decisão, um crescimento interior, uma jornada?


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