O exercício da poesia

coded by ctellier | tags: | Posted On quarta-feira, 1 de setembro de 2010 at 17:43


"O poema
antes de escrito
antes de ser
é a possibilidade
do que não foi dito
do que está
por dizer
e que
por não ter sido dito
não tem ser
não é
senão
possibilidade de dizer
mas
dizer o quê?
dizer
olor de fruta
cheiro de jasmim?
mas
como dizê-lo
se a fala não tem cheiro?"

Ferreira Gullar, in Fica o não dito por dito

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Crônica de uma morte anunciada

coded by ctellier | tags: | Posted On at 16:56

meteorologia: tirando a poluição, céu azul o dia todo
pecado da gula: nhoque
teor alcoolico: ainda nada
audio: jotacast #15

Crónica de una muerte anunciada, de Gabriel García Márquez

De Márquez, deveria ter lido “Cem anos de solidão” e “Amor nos tempos do cólera”. Shame on me! O único atenuante é que estão sim na minha lista de leitura, aquela que a maioria dos leitores compulsivos têm, com todos os livros que pretendemos ler até o fim da vida.
O livro conta, em formato próximo do jornalístico, o último dia de vida de Santiago Nasar, cuja morte é comunicada ao leitor logo nas primeiras linhas. Santiago é jurado de morte pelos irmãos Vicário, por ter supostamente desonrado Angela Vicário, a irmã. Sabe-se desde o início o desenlace da estória, e o personagem encaminha-se para o desfecho trágico sem qualquer defesa. Toda a aldeia tem conhecimento da vingança iminente, mas ninguém toma qualquer atitute para proteger Santiago ou impedir os algozes.
Tal qual uma reportagem, a estória é contada sob diferentes pontos de vista. O narrador, não onisciente, obtém as informações de acordo com a versão de cada uma das testemunhas. Os detalhes vão se encaixando aos poucos como peças de um quebra-cabeças, e o leitor vai descobrindo a sequência dos eventos junto com o narrador, à medida que ele colhe o relatos dos habitantes. Sabe-se pouco sobre Santiago, o que ele pensa, o que ele sabe ou deixa de perceber sobre o que o espera. E, como qualquer repórter deve saber, há versões distintas sobre os mesmos acontecimentos. Cada pessoa relata o que lembra, e a lembrança é sempre influenciada pela sua capacidade de observação, pelas suas experiências, pelo seu relacionamento com a(s) pessoa(s) envolvida(s), pelo seu estado de espírito no momento do ocorrido. A sobreposição dessas lembranças é que permite reconstruir o dia da morte de Santiago, e também conhecer um pouco da estória de cada um dos entrevistados.
Apesar de já sabermos o desfecho, pois não há suspense sobre o destino de Santiago, Márquez conduz o leitor com maestria pelos meandros da narrativa. O tempo avança e retrocede de acordo com as descobertas do narrador cronista. E, ao mesmo tempo que vai desvendando o ocorrido, preenche a narrativa com os costumes e tradições da pequena vila, num cenário típico do interior de um país qualquer da América do Sul, tornando a estória totalmente verossímil.
Achei dia desses, um gráfico, ao estilo daqueles de Lost, com o grau de relacionamento entre os personagens e suas ações. (clique nele para ampliar)


Vale a leitura. Eu indico.

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Inception

coded by ctellier | tags: | Posted On terça-feira, 31 de agosto de 2010 at 18:57

meteorologia: sol e calor, mas a poluição não dá trégua
pecado da gula: picolé de chicabon
teor alcoolico: por enquanto nada
audio: sos cast #18

Não, ainda não é o post com os meus comentários sobre o filme. Ainda estou estruturando o que pretendo escrever. Mas já adianto, o filme é bom. Não é sensacional, nem genial, como já ouvi muita gente dizer. Mas é bom, acima da média. Aliás, talvez deva-se a isso tanto burburinho ao redor dele. Sair do cinema com a cabeça cheia de idéias e conceitos e discuti-las com quem estiver mais próximo, no meu entender, já é um grande mérito.

O desenho abaixo ilustra o fluxo dos acontecimentos no filme, ou ao menos tenta. Pra quem assistiu e entendeu não esclarece muito mais, mas ajuda a explicar pra quem não entendeu. Para quem não assistiu, dá uma idéia do que os espera no cinema. Vale uma espiadela. (clique nele para ampliar)



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Ah, o bichinho!

coded by ctellier | tags: | Posted On at 00:22

meteorologia: umidade do ar voltando a níveis aceitáveis
pecado da gula: crème brulée
teor alcoolico: 2 smirnoff ice
audio: nerdcast #224
video: inception

Das minhas resoluções de ano novo, completar a maratona talvez tenha sido a mais fácil de cumprir. Ainda não tenho lucro no poker, as bobagens do cotidiano ainda conseguem eventualmente me irritar e eu ainda não falo “eu te amo” tantas vezes quanto eu acho que deveria. Enfim, a primeira meta foi cumprida, e todas as pequenas metas nela embutidas também.
Mas a intenção deste post não é comentar sobre as resoluções de ano novo, e sim sobre o famigerado “bichinho” da corrida. Quando alguém resolve começar a correr, na grande maioria das vezes, não é por gosto ou por paixão pessoal. Lógico que devem existir exceções. Mas nenhuma delas frequenta meu círculo de amizades. Todos começaram por algum motivo menos nobre. Uma boa parcela dos corredores, os anteriormente sedentários principalmente, iniciou depois de uma visita ao médico que, munido de resultados de exames nada favoráveis, deu o (já esperado) veredicto de que ou emagrece ou adoece. Diante desse ultimato, a primeira atividade física que surge na mente é a caminhada ou a corrida - dependendo da circunferência abdominal do indivíduo. Além de não requerer qualquer habilidade especial, nem coordenação motora acima da média, é barata e não precisa ser praticada num local com equipamentos específicos (não necessariamente). Basta saber andar, ter um par de tenis com um minimo de amortecimento, um shorts ou bermuda e uma camiseta - e um top para a ala feminina. É essa facilidade que faz com que seja a porta de entrada para o “mundo fantástico da prática esportiva”. Dado o primeiro passo (literalmente), é tudo uma questão de perseverança, até criar-se o hábito do exercício.
Alguns, como eu, já eram praticantes de alguma outra atividade física. Eu, por exemplo, já fazia spinning e musculação quase todos os dias. Comecei a correr pra variar um pouco, afinal, aula de spinning todo dia acaba enjoando. Optei por alternar as aulas e tomei gosto definitivamente depois de uma aula fora da academia, correndo na rua. Pensei, “puxa, gostei... quero mais”.
Desse ponto em diante, há dois possíveis caminhos. Ou a pessoa desiste, por não conseguir se disciplinar, por preguiça, por não ver resultados imediatos ou por uma das mil e uma desculpas possíveis para deixar de fazer algo. Ou persiste e passa a fazer da caminhada/corrida um hábito. Desses que continuam, há duas vertentes. Numa delas, o indivíduo continua apenas por obrigação, por saber que o custo/risco de deixar de lado o exercício não compensa deixar-se dominar pela indolência. Na outra, o bichinho da corrida persegue e morde sem dó nem piedade. Eu fui mordida.
E ser mordido significa separar uma parte da renda mensal para alimentar essa atividade que passa a integrar a nossa rotina. Um tênis melhor, um que esteja de acordo com a pisada, um mais leve específico pra corridas rápidas, um com mais amortecimento para corridas longas. Meias para corrida, com reforço nas partes de maior atrito. Camisetas dry-fit. Shorts sem costura. Tops confortáveis. Um frequencímetro. Um sensor inercial ou um gps. Um player de mp3 de tamanho reduzido. Gel de carboidrato. Shakes de maltodextrina. Comes e bebes específicos para atletas (mesmo que amadores). E não são apenas os gastos. Há o tempo vasculhando a internet à procura de provas de acordo com nossa atual capacidade. E o tempo escrevendo e trocando mensagens em listas de discussão, facebook, twitter, com outros “infectados”. Lendo e dando dicas sobre como evitar bolhas, como melhorar o desempenho neste ou naquele percurso, o quê, quando e o quanto comer ou beber numa prova.
Não estou reclamando. Eu acho tudo até muito legal. E tenho certeza de que quem está de fora não consegue entender qual a graça disso tudo. Até ser mordido e passar a fazer parte da turma também.

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Les Triplettes de Belleville

coded by ctellier | tags: | Posted On domingo, 29 de agosto de 2010 at 20:23

meteorologia: a secura continua, mas o dia estava lindo
pecado da gula: pão na chapa com manteiga
teor alcoolico: 2 smirnoff ice
audio: add #802
video: high stakes poker

Les Triplettes de Belleville, roteiro e direção de Sylvain Chomet


Ao menos para mim, essa animação em 2D transformou-se em objeto de (quase) adoração, mesmo não sendo um blockbuster ao estilo de Up ou Wall-E. Não há dúvida de que é um cult movie. Um daqueles filmes que apenas alguns nichos de espectadores conhecem e, conhecendo, tornam-se fãs incondicionais. Não é apenas pelo traço expressionista, quase caricatural, exagerando características dos personagens (veja-se a musculatura dos ciclistas) nem pelo fato da quase inexistência de diálogos (acho que apenas 3 ou 4 falas durante todo o filme). É principalmente pela capacidade do diretor de contar uma estória simples, com uma trama pouco definida mas bastante inteligente, de maneira arrebatadora, com um visual de tirar o fôlego.
O filme conta a jornada de uma avó portuguesa (madame Souza), acompanhada do fiel cachorro Bruno, à procura de seu neto (Champion) desaparecido durante o Tour de France. O mote é singelo, porém é necessário observar que esta não é uma animação para crianças. A crueza de algumas cenas certamente não deve ser vista por olhos infantis. Apesar das cores melancólicas utilizadas, o diretor consegue criar um universo original e bastante divertido em vários momentos. Aos conhecedores do Tour, algumas gags visuais envolvendo o público que assiste à prova são simplesmente impagáveis.
Claramente bebendo na fonte do cinema mudo, conjuga com perfeição a movimentação em cena com a música, praticamente fazendo-nos esquecer da ausência de diálogos. Some-se a isso o subtexto dos eventos. A quase todo momento, há alguma referência crítica ao consumismo, principalmente à ânsia consumista norte-americana. A cidade de Belleville é como New York, mas sua Estátua da Liberdade é gorda e segura um sorvete ao invés da tocha e um hamburguer na outra mão. Esse humor negro e bastante afiado permeia toda a estória. Nada de humor pastelão. As piadas são refinadas e habilmente conduzidas. Humor adulto de qualidade, muita qualidade.


Inesquecível.Vale a pena ver e rever várias vezes.

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