Incinerando películas » Alex Cross

coded by ctellier | tags: , | Posted On sexta-feira, 14 de dezembro de 2012 at 22:00

meteorologia: "chove chuva, chove sem parar"
pecado da gula: batatas fritas
teor alcoolico: 2 stella artois
audio: papricast #20
video: twilight zone

Alex Cross (A sombra do inimigo) - 2012
roteiro: Marc Moss, Kerry Williamson
direção: Rob Cohen

Fui assistir ao filme apenas para passar o tempo até chegar o horário do pokerzinho semanal. No shopping onde estava, escolhi-o dentre os filmes em cartaz, parecendo ser a opção "menos ruim". Porém, infelizmente, acabou mesmo apenas preenchendo o tempo. Fiquei tão entediada, que comecei a conferir meu relógio antes mesmo da metade do filme.

Ao escolhê-lo, não sabia muito sobre ele. Sabia apenas que o vilão era interpretado por Matthew Fox - o Jack, de Lost. Apenas quando o título original apareceu na tela é que me dei conta de que era um filme sobre o detetive Alex Cross. Cross é um personagem criado pelo escritor James Patterson, que apareceu pela primeira vez no livro Along came a spider (Na teia da aranha). O filme é uma adaptação do livro I, Alex Cross (Eu, Alex Cross), em que Patterson revela ao leitor parte do passado de Cross.

O filme me agradou tão pouco que, mesmo depois de assisti-lo, eu ainda não tinha feito a conexão com dois filmes protagonizados por Morgan Freeman, no papel de Cross: Along came a spider e Kiss the girls. Mesmo com Freeman atuando quase "no automático", ainda tem muito mais carisma e presença em cena que Tyler Perry, bem pouco convincente no papel.

Patterson claramente baseou-se em Sherlock Holmes ao criar Alex Cross. Tem observação aguçada e poder dedutivo acima da média. Porém, no filme, o personagem é tão mal desenvolvido que suas deduções mais parecem adivinhações ou "chutes" bem dados. Quase no final do filme, um pouco antes do clímax - quem nem deveria ser chamado assim - Cross chega a uma conclusão baseado aparentemente em nada. E, logicamente, por não ter base alguma, ele sequer se dá ao trabalho de esclarecer como chegou a ela. E há inúmeras outras situações assim.

Junte-se a isso o excesso de personagens secundários - tão rasos quanto um pires - e um roteiro fraco que se arrasta por intermináveis 100min.
Enfim, dispensável assistir no cinema. Dá para aguardar que passe na tv a cabo.

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Sórdido, nefasto, pulcro, patético e fulminante

coded by ctellier | tags: | Posted On domingo, 9 de dezembro de 2012 at 16:48

meteorologia: nublado
pecado da gula: sorvete de doce de leite
teor alcoolico: 1 malheur (250ml)
audio: café brasil #327
video: 4400

Festa no covil
Juan Pablo Villalobos

Mesmo tendo visto o livro exposto em alguns dos meus passeios na Livraria Cultura, não tinha tido a curiosidade de folheá-lo, apesar da capa bastante chamativa - gosto desses desenhos de “caveirinhas”, um dos símbolos do Dia de los muertos mexicano. Contudo, minha curiosidade foi atiçada ao assistir a um vídeo-resenha no canal LidoLendo, da Isa. Ao ficar sabendo da temática do livro e da forma como é narrado, logo me interessei. E, numa outra incursão à livraria, não resisti e comprei.

Todo leitor contumaz já deve ter passado por isso. Apesar de estar lendo alguma obra bem interessante, há alguns dias em que não estamos a fim de continuar a leitura e queremos ler algo diferente. E foi o que houve. Estou lendo A realidade oculta, de Brian Greene. Gosto demais de física, mas anteontem não estava a fim de ler sobre o assunto. E peguei Festa no covil. E, não fosse o sono ter me vencido, teria terminado a leitura numa noite, não apenas por que o livro é pequeno (88 páginas), mas também por que a narrativa é bastante envolvente.

Sinopse
Tochtli é um pequeno príncipe herdeiro do narcotráfico mexicano. Fechado numa fortaleza no meio do nada, engana a solidão colecionando chapéus e palavras exóticas. Yolcault é o rei. Ele pode tudo e lhe dá tudo. Só não deixa que o garoto o chame de pai nem entre em certos quartos proibidos. Mas Tochtli tem uma inteligência fulminante e três chapéus de detetive, e com eles investiga noite e dia os enigmas desse reino. Ele também tem uma ideia fixa: completar seu minizoológico com hipopótamos anões da Libéria. E é bem capaz de conseguir que o rei atenda seu desejo.
(fonte: contracapa do livro)

Antes de ler o livro e pesquisar sobre ele, eu não tinha conhecimento da existência de uma vertente literária chamada narcoliteratura. Conforme explica Adam Thirwel no posfácio: “A narcoliteratura trata de chefões, do tráfico, armas e mulheres. De uma cultura política corrupta e asquerosa.”. Mais informações aqui. E, à primeira vista, Festa no covil encaixa-se nesse gênero. Contudo, terminada a leitura, conclui-se que o narcotráfico é apenas o pano de fundo - bem ao fundo - enquanto que o foco é o dia a dia de um garoto criado isolado do mundo e, por conta disso, construindo seu próprio mundo, com suas próprias regras e sua própria moral.

Devido à narrativa em primeira pessoa, é fácil lembrar-se de O menino do pijama listrado. E, apesar da ambientação das estórias ser bastante diferente, os protagonistas são garotos que, em sua ingenuidade, ignoram o verdadeiro papel de seus pais na sociedade em que vivem. Ter um protagonista-narrador talvez fosse um ponto fraco no livro (vide Hunger games), principalmente sendo uma criança. Mas Villalobos sai-se muito bem. Tem-se vividamente a sensação de que é mesmo um garoto narrando. Não tanto pelo modo de falar ou pelo vocabulário usado, mas pela forma como seu vocabulário é empregado, como as frases são construídas e pela ingenuidade intrínseca com que ele descreve os fatos. O trunfo do autor é o personagem em si, suas características. Se o leitor “comprar a ideia” de que é um moleque inteligente, precoce, que não sai de casa e que por isso passa quase o tempo todo estudando, pesquisando e investigando é evidente que ele narre os acontecimentos do modo como o faz.

"Algumas pessoas dizem que eu sou precoce. Dizem isso principalmente porque pensam que sou pequeno pra saber palavras difíceis. Algumas palavras difíceis que eu sei são: sórdido, nefasto, pulcro, patético e fulminante." (p.9)

Esse é o parágrafo inicial do livro. Interessante notar o poder de síntese do autor ao, em poucas frases, nos apresentar Tochtli de forma tão concisa. E vale reparar que, tal qual uma criança, Tochtli usa e abusa das palavras aprendidas, utilizando-as a toda hora, por vezes até fora de contexto. Suas frases são curtas, diretas, objetivas, sem rodeios, como as de qualquer criança. E esse contraste entre seu vocabulário quase adulto e seu modo naturalmente infantil de elaborar as orações tornam a leitura envolvente, cativante.

“Hoje conheci a pessoa catorze ou quinze que conheço e era um político chamado El Gober.” (p.20)

O que chama atenção, além da forma, é o teor da narrativa. Logo nas primeiras páginas, o leitor percebe a visão distorcida que o garoto tem do mundo - dentro e fora do palácio. A naturalidade com que ele descreve certos fatos não apenas choca, mas entristece. Entristece pois a solidão que transparece e a morbidez do que é relatado não deveriam fazer parte da infância, mesmo que a criança não tenha total entendimento do que está acontecendo. Mesmo que a bizarrice do que a cerca lhe seja familiar e corriqueira.

“Eu sei dessas coisas por causa de um jogo que eu e o Yolcaut costumamos jogar. O jogo é de perguntas e respostas. Um fala uma quantidade de tiros e uma parte do corpo, e o outro responde: vivo, cadáver ou diagnóstico reservado.
- Um tiro no coração.
- Cadáver.
- Trinta tiros na unha do dedo mindinho do pé esquerdo.
- Vivo.
- Três tiros no pâncreas.
- Diagnóstico reservado.” (p.14)

“Na verdade existem muitos jeitos de fazer cadáveres, mas os mais usados são com os orifícios. Os orifícios são buracos que você faz nas pessoas para o sangue vazar. As balas de revólver fazem orifícios e as facas também podem fazer orifícios.” (p.16)

Creio que a melhor dica sobre o que o leitor irá encontrar durante a leitura é a própria capa do livro: tudo em alto contraste. Todo o livro é calcado em contrastes, em contrários, em antagonismos. Simples versus complexo. Realidade versus fantasia. Horror versus humor. Violência versus inocência. O leitor fica o tempo todo oscilando entre o pasmo sobre os fatos relatados e a forma incompatível, por vezes até engraçada, com que isso é feito. Talvez por essa razão, seja tão difícil colocar em palavras a impressão que o livro deixa quando viramos a última página.

“[...] aí Yolcault gritou pra ele que era do rancho da puta que pariu. O rancho da puta que pariu fica perto de San Juan, na beira da estrada. Em cima do portão tem um cartaz que diz: PUTA QUE PARIU.”
(p.25)

Destaque para o posfácio de Adam Thirwel, que ajuda bastante a entender tanto o contexto da estória quando do próprio livro. Aliás, o livro todo é irrepreensível. Desde a capa, que é até texturizada; até o papel pólen, cuja textura é ótima; passando pela revisão sem quaisquer ressalvas. A tradução foi revista pelo autor, então não há o que falar.

Enfim, a experiência de leitura é ótima. E não há preguiça de ler que resista, afinal são apenas 82 páginas - as demais são do posfácio. Leitura mais que recomendada.


Sobre o autor
Nasceu em 1973, em Guadalajara, México, e atualmente mora no Brasil. É autor de contos, crônicas de viagem e crítica literária e de cinema. Festa no covil é seu primeiro romance. Editado originalmente na Espanha, já foi traduzido na Alemanha, Reino Unido, Holanda e França, e tem lançamento previsto em mais sete países, incluindo Itália, EUA, Israel e Turquia. A edição britânica foi selecionada pelo jornal The Guardian entre os cinco finalistas do First Book Award.
(fonte: Companhia das Letras)

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