"I'm not as stupid as you think I am."

coded by ctellier | tags: | Posted On sábado, 27 de julho de 2013 at 17:15

meteorologia:
pecado da gula:
teor alcoolico:
audio:
video:

(resenha publicada originalmente no Vórtex Cultural, em 20/07/2013)

Flawless (1999) - Ninguém é perfeito
roteiro e direção: Joel Schumacher
★ ★ ★ ★ ★

Um ex-policial ultraconservador, Walt Koontz (Robert De Niro), sofre um AVC enquanto tenta socorrer um vizinho. Com metade do corpo semi-paralisada, torna-se um recluso. Por indicação de sua médica, a fim de melhorar suas condições de fala, começa a ter aulas de canto com o vizinho do andar de cima, Rusty (Philip Seymour Hoffman) que, por acaso, é uma drag queen.

Walt Koontz:
I'm not as stupid as you think I am.

Rusty Zimmerman:
Honey, you could never be as stupid as I think you are.

A estrutura “dois personagens opostos que não se dão bem, vêem-se obrigados a conviver devido a alguma circunstância (aparentemente) imprevista e passam a enxergar o oposto com outros olhos” é bastante manjada, mas ainda funciona muito bem em estórias em que os personagens, e seu desenvolvimento, são o foco. Referente à forma como cada um encara o outro, é interessante reparar, logo no início do filme, quando Koontz discute com Rusty através do vão central do prédio, o ex-policial grita de dentro do apartamento e vê Rusty distorcido pelo vidro da janela. Se o espectador tem alguma dúvida sobre o preconceito de Koontz, essa cena mata qualquer incerteza.

Há algumas cenas externas, contudo a maior parte do filme passa-se dentro do prédio sujo e decadente. Os apartamentos minúsculos atulhados de memórias (Koontz) e de sonhos (Rusty) - acentuam a solidão de cada um deles. O espectador consegue sentir a claustrofobia do ambiente, mas Schumacher poderia não ter exagerado tanto nos ângulos holandeses e nos closes para obter esse efeito.

O filme poderia facilmente pender para o dramalhão, já que os diálogos são pouco inspirados e muitas vezes suscitarem aquela impressão de “Hmmm, acho que já ouvi isso em outro filme.” O que salva a trama desse destino são algumas tiradas cômicas - e bastante sarcásticas - que arrancam risos do espectador ao mesmo tempo que o deixam ligeiramente desconfortável por compartilhar da visão preconceituosa de um ou de outro.

Apesar de Schumacher não constar da minha lista de diretores/roteiristas prediletos (longe disso), há que se reconhecer um mérito dele neste filme: conseguiu não interferir na performance dos atores. Sim, pois mesmo considerando-se que os personagens - Koontz e Rusty - serem um tanto caricatos, De Niro e Hoffman têm atuações primorosas. Atuações que per se carregam o filme nas costas, já que o desenrolar da estória é bem previsível para qualquer um que já tenha assistido a muitos filmes. Ambos estão muito bem, mas Hoffman realmente se destaca como Rusty. Percebe-se isso nitidamente numa cena mais sóbria em que, mesmo vestindo um terno, ele ainda é uma drag queen. E ele obtém isso ‘apesar’ do exagero do punho desmunhecado e dos trejeitos clichês, está tudo em sua maneira pausada de falar e na entonação de sua voz.

É um daqueles filmes em que as atuações compensam o roteiro mediano e pouco envolvente.



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Après Mai

coded by ctellier | tags: | Posted On sexta-feira, 26 de julho de 2013 at 15:31

meteorologia: frio, frio, muito frio
pecado da gula: cocada
teor alcoolico: nada ainda
audio: moulin rouge
video: orange is the new black

(resenha publicada originalmente no Vórtex Cultural, em 19/07/2013)

Après Mai (2012) - Depois de Maio
roteiro e direção: Olivier Assayas
★ ★ ★ ★ ★

Retratando a efervecência política do início dos anos 70, o filme acompanha Gilles (Clément Métayer), estudante do ensino médio, e seus colegas de escola - Christine (Lola Créton), Alain (Felix Armand) e Jean-Pierre (Hugo Conzelmann) - que militam num grupo que defende ideias revolucionárias. Depois que uma “ação” dá errado, com desdobramentos imprevistos, os amigos se vêem forçados a sair dos arredores de Paris.

Gilles, apesar de engajado politicamente, está mais interessado em adquirir conhecimento para levar adiante sua arte - sua intenção é fazer cinema. E essa sua escolha causa discussões acaloradas com os amigos, que respiram política e não entendem como ele pode privilegiar a arte em detrimento da luta pela mudança da situação do país em que vive. E é interessante ver como ele defende seu ponto de vista, afirmando que a arte, a expressão artística deve acompanhar e dar vazão a essas ideias. Um dos diálogos que mais me agradou foi entre Gilles e Christine em que discutem sobre um filme de ideais revolucionários a que acabaram de assistir. Enquanto ele questiona que se a temática é revolucionária, a linguagem cinematográfica utilizada também deveria ser revolucionária; ela, já absorvendo o posicionamento dos autores do filme visto, afirma que o intuito é atingir as massas, e manter a linguagem “tradicional” é a única maneira de fazer essas ideias serem compreendidas. Fazer algo experimental não obteria o mesmo resultado.

Christine:
Ils ont des convictions, ils vont jusqu’au bout.
Et toi? tu fais mieux qu’eux?

Os personagens são rasos, e a atuação superficial do elenco também não colabora. Entendo que a maior parte do elenco é de não-atores, salvo por Lola Créton. Mas isso não é desculpa (vide Cidade de Deus). Exceto por algumas cenas, em que os atores parecem genuinamente envolvidos e imersos nos personagens e na trama, a maior parte do tempo tem-se a impressão de que todos estão entediados, posando para a câmera enquanto recitam seus diálogos.

Três elementos se destacam positivamente. A trilha sonora, simplesmente deliciosa de ouvir, composta em sua maioria de músicas menos conhecidas da época. Merece ser desfrutada independentemente do filme. A direção de arte, responsável por uma reconstrução de época bastante eficiente, com cenários e figurinos que remetem diretamente ao período retratado. E a fotografia de tirar do fôlego de Eric Gautier (On the road e Into the wild). Praticamente todos os fotogramas do filme merecem ser emoldurados e exibidos como obras de arte. Se o elenco não fez sua parte, conquistando o público, a fotografia compensou - e muito - fazendo o espectador mergulhar naqueles enquadramentos.

O filme não tem uma estória fechada, com começo, meio e fim. A trama é bem solta e não há as estruturas características da maioria dos filmes - pontos de virada, arcos dramáticos, etc. O espectador vai acompanhando cada um dos personagens em sua jornada de descobrimento e passagem para a vida adulta. O rumo que cada um deles toma, suas escolhas, suas amizades, seus interesses, seus amores. O diretor optou por não dar um fechamento ao arco dos personagens, já que a vida deles continua, não termina ali. Enfim, o filme acaba, mas a estória não.




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