Ternura

coded by ctellier | tags: | Posted On sábado, 13 de março de 2010 at 06:08

meteorologia: calor... calor...
pecado da gula: pão francês na chapa
teor alcoolico: nada ainda
audio: add 760
video: lost s06e07

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Vinícius de Moraes

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coded by ctellier | tags: | Posted On quarta-feira, 10 de março de 2010 at 06:40

"(...)
Faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava de morrer de saudade
 (...)
faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro — pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver."


Clarice Lispector, in A morte necessária em pleno dia

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There will be blood

coded by ctellier | tags: | Posted On domingo, 7 de março de 2010 at 21:35

meteorologia: sol e calor
pecado da gula: cheese-burger no Prime
teor alcoolico: alguns chopps, várias smirnoff ice black
audio: nerdcast 200
video: up

There will be blood, direção Paul Thomas Anderson

Sensacional.
Mesmo tendo me tornado fã de Paul Thomas depois de assistir Magnolia (apesar da chuva de sapos) e Boogie nights, ao ler a resenha desse filme, achei que seria algo no estilo de Giant (que eu também gosto muito). Mas não, o filme é muito, muito mais que apenas mais uma estória sobre o início da exploração de petróleo nos EUA.
Impressionante.
O início do filme define o tom de toda a trajetória do personagem de Daniel Day-Lewis, Daniel Plainview. Remeteu-me imediatamente a 2001: A space Odyssey, pois nos primeiros 15 minutos do filme, não se ouve diálogo algum. E assim como em 2001, esses minutos iniciais são essenciais ao entendimento tanto da estória como da psicologia do personagem. Revela-se nesse início silencioso, a tenacidade, a solidão, a crueza, o desprezo, o cinismo, o tino para negócios, a ganância, a falta de escrúpulos, a "escuridão" no caráter de Plainview (enfatizada em todas as vezes que o personagem aparece coberto de petróleo). E Daniel Day-Lewis está novamente sensacional na personificação desse homem cujo único objetivo, diferente do que parece inicialmente, não é enriquecer, mas sim sobrepujar os demais, pelo prazer de conquistar o poder. Graças a ele, Plainview é um personagem inesquecível. Sua voz grave é perfeita para construir com perfeição um monstro de fala cadenciada, que consegue o que quer a qualquer custo.

A fotografia é primorosa. Reforça a natureza "escura" de Plainview, retratando-o quase sempre nas sombras ou em contraluz. Os planos abertos amplificam a aridez e a solidão do deserto onde Plaiview instala suas torres de escavação.
Em geral, afirma-se que trilha sonora boa é aquela que não é perceptível no decorrer do filme. Neste caso, não é assim. Os acordes fortes e dissonantes ajudam a acentuar o tumulto interior de Plainview, cuja personalidade anti-social no decorrer do filme aproxima-se cada vez mais da psicopatia.
Imperdível.

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Fernando Pessoa

coded by ctellier | tags: | Posted On at 19:53

"(...)
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo."

Álvaro de Campos, in Passagem das Horas

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