O Homem do Pêssego

coded by ctellier | tags: | Posted On quinta-feira, 14 de janeiro de 2010 at 20:09

meteorologia: nublado parece, nem vi direito
pecado da gula: frapuccino no starbucks
teor alcoolico: 1 dose de absolut
audio: temple of the dog
video: closer


"Os olhos nus. Em verdade vos digo que chegará o dia em que a nudez dos olhos será mais excitante do que a do sexo. Pura convenção achar o sexo obsceno. E a boca? Inquietante a boca mordendo, mastigando, mordendo. Mordendo um pêssego, lembra? Se eu escrevesse, começaria uma história com esse nome. O Homem do Pêssego. Assisti de uma esquina enquanto tomava um copo de leite: um homem completamente banal com um pêssego na mão. Fiquei olhando o pêssego maduro que ele rodava e apalpava entre os dedos, fechando um pouco os olhos como se quisesse decorar-lhe o contorno. Tinha traços duros e a barba por fazer acentuava seus vincos como riscos de carvão mas toda a dureza se diluía quando cheirava o pêssego. Fiquei fascinada. Alisou a penugem da casca com os lábios e com os lábios ainda foi percorrendo toda sua superfície como fizera com as pontas dos dedos. As narinas dilatadas, os olhos estrábicos. Eu queria que tudo acabasse de uma vez mas ele parecia não ter nenhuma pressa: com raiva quase, esfregou o pêssego no queixo enquanto com a ponta da língua, rodando-o nos dedos, procurou o bico. Achou? Eu estava encarapitada no balcão do café mas via como num telescópio: achou o bico rosado e começou a acariciá-lo com a ponta da língua num movimento circular, intenso. Pude ver que a ponta da língua era do mesmo rosado do bico do pêssego, pude ver que passou a lambê-lo com uma expressão que já era sofrimento. Quando abriu o bocão e deu o bote que fez espirrar longe o sumo, quase engasguei no meu leite. Ainda me contraio inteira quando lembro, oh Lorena Vaz Leme, não tem vergonha?"
(Lygia Fagundes Telles, in As meninas)


A maioria dos livros que lemos na escola acabamos relegando àquela categoria de leitura por obrigação. Não é o caso desse. Li e reli algumas vezes, tamanho o impacto que teve em mim.



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