“Seu texto é muito longo, ninguém lê”

coded by ctellier | tags: , | Posted On sexta-feira, 23 de dezembro de 2011 at 08:35

meteorologia: dia de sol
pecado da gula: pão na chapa
teor alcoolico: nada ainda
audio: alternativando #148
video: criminal minds


Não sou jornalista. Nem tenho pretensões de sê-lo. Nunca tive. Correr atrás da notícia, reportar e registrar não é nem nunca foi o meu intuito. Gosto de examiná-la, de tecer comentários, de falar sobre as referências que me vieram à mente ao lê-la. Enfim, gosto de analisar, questionar, decompor e recompor as ideias que foram suscitadas pela notícia. E, para isso, gosto de escrever sobre ela.

Mas não sou escritora. Não no sentido que Clarice Lispector também recusava-se a ser (veja entrevista em que ela fala sobre isso). Não tenho pretensão de fazer da escrita uma profissão. Sem querer, nem ousar, comparar-me a Clarice, escrevo porque me é preciso, porque gosto, porque me faz bem, porque me realiza. Não quero que se torne obrigação. Não tenho intenção de tornar-me uma profissional da escrita. Se o que escrevo me agrada, agrada a meu principal leitor, agrada à maioria das pessoas que me lêem, ótimo. Mas isso, no meu entender, não faz de mim uma escritora profissional.

Para mim, a escrita funciona como uma forma de organizar os pensamentos. Não necessariamente ordená-los, mas agrupá-los de forma a fazerem mais sentido do que se mantidos isolados. Muitas vezes, ao discorrer sobre um assunto, cheguei a conclusões que eu sequer aventara a possibilidade. Puxar o fio do pensamento ao escrever é algo tão agradável que é quase impossível furtar-me da escrita. E, assim como ler, escrever tem-se tornado um vício, ao qual me entrego diariamente. Várias vezes. Por breves momentos ou por longos períodos.

Há dias em que não há muito o que escrever. Ou melhor, até há. Mas as palavras parecem se recusar a sair de forma satisfatória. Saem aleatoriamente, negando-se a fazer qualquer sentido, por mais que tente dispô-las coerentemente. Quem escreve, sabe. Empacar num texto, feito uma mula teimosa é mais comum do que gostaríamos, mas faz parte do dia a dia do escrevinhador. Já me incomodei mais com esses incidentes. Atualmente, trato-os como parte “das atividades”. Se o texto que eu pretendia escrever não sai, eu simplesmente deixo-o de lado e vou escrever sobre outra coisa. Mesmo que essa outra coisa não seja algo que eu pretenda aproveitar para publicar no blog – ao menos, não imediatamente. Anotações aleatórias são sempre bem-vindas. Em algum momento serão aproveitadas. Fazendo referência a Clarice novamente, ela tinha o hábito de fazer anotações em qualquer fragmento de papel disponível. Desde guardanapos a margens de páginas de revistas, de folhas de cheque a listas de supermercado. É sabido que, em suas anotações, as frases estavam praticamente prontas. Mas ela era Clarice Lispector. As minhas anotações precisam ser recicladas e ruminadas várias vezes até se encaixarem num texto.

Há outros dias em que parece que os dedos não vão conseguir dar conta de digitar a enxurrada de frases que teimam em se acumular na nossa mente. E, como num frenesi, o texto parece moldar-se quase em seu formato definitivo. Não sei, talvez isso seja o que se chama comumente de inspiração. Mas em dias assim, é quase impossível parar de escrever. Enquanto todas as ideias não estiverem devidamente expostas, apresentadas, escritas aquele “comichão” que impele à escrita não se esvai.

E, nesses dias de produção prolífica, as ideias se sucedem e, quando dou por mim, já escrevi mais de uma página e ainda tenho coisas a dizer. Houve uma época em que me incomodei com o tamanho do texto. Assim como li num post do Brainstorm#9, por muitas vezes me peguei pensando que o texto era muito longo, ninguém iria lê-lo até o final. Mas há algum tempo, a Ana Carolina Silveira (@anacarolinars), do site Leitura Escrita, fez um comentário que teve em mim um efeito libertário: “Escreva o texto – a crítica, o post, a resenha – que você gostaria de ler. Esqueça o tamanho. “ E eu abracei a ideia. Desde então é o que tenho feito. Não me importo se ficou extenso demais, analítico demais, polêmico demais. Escrevo até que o assunto (em mim) se esgote.

É claro que, algumas vezes, ao revisar o texto percebo que consigo quebrá-lo em duas ou mais partes, sem prejuízo do conteúdo. E é o que faço. Apesar de não me pautar pela extensão do texto, sei que texto menores terão maior chance de ser lidos – e, consequentemente, apreciados – pela maioria dos leitores. Certamente boa parte do sucesso do Twitter deve-se a isso. E não desgosto dessa sua faceta. Acho incrível o poder de síntese de algumas pessoas, condensando pensamentos em 140 caracteres.
Mas eu, pessoalmente, tenho necessidade de ler (e escrever) textos que se estendam além desse limite. E, mesmo que o objetivo primordial da minha escrita não seja arrebanhar leitores, muitos apareceram e passaram a prestigiar o blog. E mais gente lendo significa mais gente comentando. E mais gente comentando significa a expressão de outros pontos de vista. Pontos de vista que talvez sejam o gatilho para uma nova leva de ideias e conceitos a serem descritos. E assim o ciclo recomeça.


“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: A não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.”
(Clarice Lispector in ‘Água viva’)

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